Na tarde do dia 16 de maio/2023, em espaço organizado pela disciplina de Mudanças Climáticas Globais e a Amazônia, do Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas (PPGAA), vinculado ao Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares (INEAF), da UFPA, debateu-se a seguinte temática: mercado de carbono: oportunidade/solução para quem e para quê?
Tal discussão fora conduzida presencialmente pelo doutorando Carlos Augusto Ramos, vinculado ao próprio PPGAA/INEAF, e, de maneira virtual, por Barbara Abrahão, doutoranda da Universidade de Oxford. Ambos investigam em suas carreiras acadêmicas a problemática do mercado de carbono a partir de experiências em comunidades quilombolas e/ou em municípios amazônicos.
Previamente às falas protagonistas, o professor Valério Gomes, que coordena a disciplina, exibiu um filme-documentário chamado “Carbono e Metano”, o qual, por meio de sua proposta didático-pedagógica, teve como objetivo estabelecer na discussão aspectos físico-químicos básicos, que nos ajudam a compreender as transformações climáticas globais causadas a partir da dependência da sociedade moderna da utilização de combustíveis fósseis, a partir da Revolução Industrial.
Carlos Ramos, em sua apresentação, abordou duas experiências presentes no cenário do arquipélago do Marajó. Em seu trabalho “Espelhinhos do neocolonialismo: os casos da comercialização de créditos de carbono em Breves e Portel, Marajó, Pará.”, duas realidades próximas são abordadas de maneira investigativa, por meio de suas experiências, enquanto natural do município de Portel e, também, na condição de engenheiro florestal, prestando consultorias ao Instituto Conexsus e à Comissão Pastoral da Terra.
Como ponto de partida, Ramos ancorou-se na definição de “capitaloceno”, baseada em Jason W. Moore, que define as ações do sistema capitalista como determinantes para o avanço da situação de degradação do planeta e mudanças climáticas. O pesquisador aproveitou para contextualizar algumas metas para a redução de emissão de gases de efeito estufa estabelecidas pelo acordo de Paris/2015. A partir deste acordo, conta Carlos, convencionaram-se duas categorias para a efetivação das metas: uma, o Mercado Institucional de Carbono, coordenado por Estados nacionais; e outra, o Mercado Voluntário de Carbono, tendo como conceito, escrito em seu trabalho: “a negociação da iniciativa privada com organizações e indivíduos que exerçam ações que possam compensar o impacto as atividades empresariais de poluição ou de degradação do meio ambiente.” Em seu trabalho, evidencia-se que há uma contradição entre os grandes impactos gerados por grandes setores capitalistas - como a indústria, a agropecuária etc - e uma conta que é repartida “igualitariamente” entre todo o conjunto da sociedade, inclusive com grupos que geram baixos impactos. Para Carlos Ramos, impactos e danos gerados pelo capitaloceno “são cumulativos, de longo prazo e de difícil mensuração”, cabendo destaque para o termo “cumulativo”, designado por outra colega do PPGAA, Iná Camila Favacho.
Em seu trabalho, Carlos apresentou-nos duas experiências investigadas em Breves e Portel pela sociedade civil organizada, Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais e agências jornalísticas como o The Intecept Brasil e Agência Pública. Nestes dois municípios localizados da mesorregião do Marajó, Pará, se instalaram projetos de REDD+ com pouca participação e conhecimento das comunidades tradicionais da região, apesar dos créditos de carbono basearem-se nas florestas destes territórios comunitários. No caso de Breves, relatou-se o caso da comercialização de créditos de carbono a partir de Cadastro Ambiental Rural (CAR) registrados e sobrepostos às Reservas Extrativistas Mapuá e Terra Grande-Pracuúba e que somam cerca de 90 mil hectares. No caso da venda de créditos de carbono em Portel, agências jornalísticas encontraram quatro grandes contratos de créditos de carbono que cobririam cerca de 714 mil hectares (28% da área do município) com valores estimados em mais de 500 milhões de reais sem passar por um amplo debate na sociedade e influenciando políticas públicas locais como a construção de escolas nas áreas rurais. Chama a atenção nos apontamentos nos estudos feitos a oferta de fogareiros e cestas básicas às famílias como benefícios ofertados pelas empresas intermediárias deste comércio de carbono como contrapartida de aceitação dos projetos. Chama a atenção também o fato do município de Breve ter elaborado e aprovado na Câmara Municipal o seu “Plano Municipal de Combate às Mudanças Climáticas” sem nenhuma discussão com a sociedade local. Ambos exemplos apontam para a forma de atuação das empresas de mercado de carbono na região, com estratégias de “benefícios” para as comunidades locais sem nenhum vínculo direito as aos benefícios monetários do mercado de carbono, e cooptação da elite política local para respaldar juridicamente seus interesses econômicos.
A apresentação de Carlos Ramos finaliza com uma breve descrição sobre a audiência pública ocorrida no dia 24 de janeiro de 2023 na sede municipal de Portel que lançou luz a tais contratos de carbono em Portel, com promoção do Ministério Público por meio da 1a Vara Agrária de Castanhal. Na oportunidade estiveram presentes representações da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade - SEMAS, Procuradoria Geral do Estado do Pará - PGE, Instituto de Desenvolvimento Florestal e de Biodiversidade do Pará - IDEFLOR, Instituto de Terras do Pará, Conselho Nacional de Populações Extrativistas - CNS e Federação de Trabalhadores Agricultores e Agricultoras Familiares do Pará - FETAGRI que escutaram famílias onde os projetos de carbono estavam sendo executados. Tal evento foi um marco na região uma vez que permitiu que fossem retiradas dúvidas sobre o mercado de carbono e fosse dada chance das comunidades de Portel expressarem sua opinião sobre os processos em curso.
Texto: Eduardo Protázio – Mestrando do PPGAA